Páginas

sexta-feira, 3 de julho de 2015

catarse

oito meses de terapia duas vezes na semana, às vezes três, às vezes sábados e domingos, às vezes por skype. ouvi do moço do estacionamento do prédio da dra freud a proposta de fazer um plano mensal. piada pronta. remédio pra dormir, remédio pra parar de chorar, feedback no trabalho porque eu tinha uma postura "muito negativa". e eu tinha mesmo. tinha sobrado tão pouco. tinha sobrado nada. 

o tempo passou. eu olho pra minha vida agora e ela se reajustou. eu estou bem. se eu vou lá olhar as suas fotos é porque eu quero saber de você. às vezes dá saudade, às vezes dá tristeza, às vezes eu me divirto vendo você fazer ou dizer algo familiar. às vezes eu sinto raiva. é só raiva o que eu tenho sentido esses dias. 

parece que tudo aconteceu em outra vida. algumas das suas fotos são as mesmas que foram nossas. as nossas fotos e as nossas piadas, emprestadas e aplicadas na sua vida instagramada. a vida que me ignorou, que me descartou, que me sobrescreveu. eu queria ver em você algum vestígio de mim. algo que mostrasse que eu existi. não há absolutamente nada. tela em branco. 

eu lembro da correria pra conseguir que seu visto chegasse até você a tempo de pegar o avião, naquela sexta feira. eu nem sabia que era mesmo o nosso penúltimo dia. a crise de choro sentada no chão, enquanto eu fazia as suas malas. o desespero em ser forte pra que você desse esse passo. a gente ia ficar juntos, eu tinha tanta certeza. 

ainda outro dia eu sonhei com seu pai. eu gritava com ele o quanto você tinha sido babaca comigo. acordei exausta. sete meses depois e eu ainda sonho com o seu pai. ainda gasto energia. 

dez meses atrás você não conhecia três das pessoas mais importantes da sua vida. dez meses atrás você era a pessoa mais importante da minha. e a sua família fingiu que eu nunca existi. e você continua fingindo. 

parabéns. você é oficialmente o moleque que teu pai te proclamou naquela grande briga de um domingo de páscoa. a briga em que eu te defendi, te levei embora e te trouxe de volta, pra que vocês se perdoassem. a briga que me fez olhar teu pai com aversão por cada dia que se seguiu, até hoje. 

seu pai estava tão certo. a errada era eu. você é moleque. ponto pra ele. 

você é capaz de aguentar isso? você é mesmo forte? 

eu não apago os seus vestígios em mim. nem que eu quisesse eu conseguiria. a garota que tem novos amigos, novo namorado, novo trabalho, infelizmente ainda é a mesma que você deixou pra trás. isso vai comigo onde eu vá. o buraco no peito, a descrença. o desespero em me proteger, em tentar ler sinais com a antecedência necessária para me salvar de um novo tombo. eu fico esperando doer menos. 

eu não te amo mais. ponto pra mim. 

mas eu ainda choro por sua causa, por nossa causa, pelo que aconteceu comigo, com você, com a gente. 

eu quero que a vida te bata. eu quero ver você irremediavelmente apaixonado e sendo abandonado sem mais nem menos, sendo apagado da história, sobrescrito. eu quero saber que eventualmente você vai estar na sua cama em posição fetal, com medo de tudo e de todos, chorando alto o seu coração partido. talvez nesse momento, um dia, você experimente o que você fez comigo. ainda assim vai ser pouco, eu te digo. 

a terapia não cessa. muda o motivo, muda o detalhe da dor. esses dias, tudo o que eu busco é não deixar que esse monstro que você botou morando dentro de mim destrua a vida que eu posso reconstruir.